Nos últimos anos, tem-se observado uma tendencia negocial consubstanciada na popularização de contratos de “locação por diária”, por meio de plataformas digitais como Airbnb, que muito se assemelham com contrato de hospedagem, mas com algumas diferenças e implicações jurídicas.
No Brasil, tais mutações nas negociações que envolvem a cessão do uso temporário de imóveis por meio digital, por falta de melhor caracterização, são por muitos entendidas como espécies de “contratos de locação por temporada”, enquanto para outros, constituem “contratos de natureza de hospedagem”, mas que, em ambos os casos, orbitam na esfera dos contratos sui generis (atípicos).
Ocorre que, como de costume, a classificação jurídica desses contratos é essencial para definir a régua jurídica com a qual se medirá o alcance dos direitos dos interessados, bem como para constatar eventuais violações de direitos daqueles que sentirem lesados.
Feitas essas considerações, importa ressaltar que essa definição sobre a natureza jurídica desses contratos que envolvem a cessão de uso do imóvel residencial por meio de plataformas digitais é ainda mais relevante quando colocado no contexto de uma unidade imobiliária no âmbito de condomínio edilício, em que se verifica a confrontação do chamado “direito de propriedade” do proprietário do imóvel cedido em plataforma digital versus o direito ao sossego e respeito à finalidade do condomínio edilício.
Isso porque, o Código Civil, em seus artigos 1.332, inciso III e 1.336, inciso IV, são preclaros ao dispor que, ao se estabelecer condomínios edilícios, é necessário observância ao fim a que as unidades se destinam, assim como, figuram como expresso dever dos condôminos, dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Ou seja, se por um lado, o proprietário de um imóvel tem o claro direito de fazer o que bem entender com o seu imóvel e destiná-lo da maneira que lhe aprouver, em seu livre exercício do direito de propriedade, por outro lado, se esse imóvel constitui uma das unidades residenciais em um condomínio edilício, os demais condôminos também possuem o direito de não serem perturbados em seu sossego, segurança e salubridade, como, por exemplo, ao verem pessoas estranhas (inquilinos por diárias) frequentando os mesmos espaços comuns do condomínio edilício, potencialmente gerando intranquilidade aos demais possuidores.
Então, resta claro o problema criado pela confrontação de direitos originados de tal relação jurídica, que, justo por isso, foram submetidos ao crivo do Poder Judiciário, para fim de obter alguma resolução.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, proferiu alguns julgamentos que, em um primeiro momento, não chegavam a uma pacificação entre os seus ministros sobre se é ou não vedada a cessão do uso de condomínio edilício por meio de plataformas digitais.
Conforme se observa, por exemplo, no REsp nº 1.819.075/RS, distribuído para a 4ª Turma, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, este entendeu que deveria prevalecer o direito do proprietário, reconhecendo a licitude da contratação realizada pela condômina e pela impossibilidade de se restringir a operação Airbnb.
No entanto, o ministro Raul Araújo, em voto divergente, que se sagrou vencedor, entendeu que o uso das plataformas desvirtuaria a finalidade residencial do condomínio e que haveria um “contrato atípico de hospedagem”, porque inexistente, nas peculiares circunstâncias em que se dá a prestação do serviço, qualquer estrutura ou profissionalismo suficiente, exigidos pela Lei nº 11.771/2008.
Prevalece atualmente o entendimento da Corte Superior, no sentido de que a noção central que deve nortear as relações jurídicas entre condôminos e terceiros é a de que residencial é o condomínio voltado para a moradia unifamiliar, fulcrado na ideia de permanência habitual, derivada dos conceitos de domicílio e residência, constantes do art. 70 e seguintes do Código Civil. Residência, portanto, não se coaduna com transitoriedade, eventualidade e temporariedade.
Isso implica em dizer que, para o STJ, o negócio praticado pelas plataformas digitais que cedem o imóvel mediante pagamento de diárias, aproxima a atividade ao ramo da hotelaria e turismo, de modo que, se a convenção de condomínio determina que a natureza da edificação é residencial, os condôminos não poderão dar destinação vinculada à atividade de hotelaria e turismo, próprio do contrato atípico de hospedagem, vedando-se, portanto, a cessão do imóvel nesta modalidade contratual.
Assim, o entendimento que permanece atualmente é no sentido de vedar a cessão do imóvel pelo condômino em plataformas digitais, para cobrança de diárias, quando a finalidade do edifício for exclusivamente residencial, prevalecendo os interesses do “bem comum” na questão.
Por fim, convém registrar que, somente existindo autorização expressa na Convenção de Condomínio, ou concordância tática dos demais condôminos, é que será permitido ao proprietário do imóvel em condomínio edilício, dar destinação do seu bem no estabelecimento de contrato atípico de hospedagem por meio das plataformas digitais.
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Larissa Vieira.